Samstag, 15. November 2008

Conhecer o Absoluto



A propósito de uma discussão amigável


Do Outro ao nosso lado ou à nossa frente só vemos a sombra projectada na parede da caverna porque não o podemos ver de dentro para fora, como nos vemos a nós.

O Conhecer...

Temo que não acredito que se possa conhecer o Outro na sua íntegra. Porquê?

Em primeiro lugar era preciso que o Outro se conhecesse a si próprio profunda e absolutamente, o que é raro, porque, como bem disseste, nós somos seres mutáveis, interconectados.

Em segundo lugar, era preciso que esse conhecimento pudesse ser comunicado a mim, na sua essência. A conditio sine qua non para que isso acontecesse seria a existência da comunicação perfeita. Ora, a Humanidade sabe, desde o tempo dos mitos, que a comunicação absoluta entre dois seres é algo divino: na alegoria da Torre de Babel, Deus destrói essa possibilidade por ter inveja da unidade que esse entendimento gera - divide et impera.

E em terceiro lugar, era preciso que eu, como receptor, fosse vácuo para não modular a mensagem perfeita do meu Próximo. O esvaziamento de si é procurado por muitos místicos para alcançar o Preenchimento total pelo divino ou Eterno, como eu lhe chamo.


Procuro conhecer o Outro, mas confesso ainda me encontrar no primeiro passo - conhecer-me a mim, para me poder esvaziar de mim.

E então ser vaso para o Outro.

Freitag, 7. November 2008



Zeitreise

Vozes no escuro
De repente não passaram dois anos
Continuas
Buscando minhas jugulares
Tentaculando meus pulsos
Confundindo-me
Com quem já não sou
Renascer que tive
Sob forma marcial
Após teu abandono
Por morta
No campo de batalha

Setúbal
06-04-008

aa

Dienstag, 14. Oktober 2008


Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

Sophia de Mello Breyner Andresen

Mittwoch, 9. Juli 2008



Der Abgerissene Strick

Der abgerissene Strick
kann wieder geknotet werden
er hält wieder, aber
er ist zerrissen.

Vielleicht begegnen
wir uns wieder,
aber da,
wo du mich verlassen hast
triffst du mich
nicht wieder.

Bertolt Brecht

Dienstag, 1. Juli 2008



Sob a Via Láctea ao som das cigarras envolta no infinito
Sem artifícios sociais ou pseudo-necessidades
Atenta a cada respiração como se a última fosse
Lastimando o rápido passar das horas
Consciente da brevidade da vida e do cácere do hábito
Que nos tolda a liberdade com a nossa aquiescência
Luto contra o sono que me roubará à noite
Entregando-me de novo ao dia em que terei de
Voltar a prender as cordas de títere aos membros
E dançar a peça ensaiada para gáudio geral

Há-de chegar o dia em que tudo será estrelas e
Som das cigarras e águas correntes e
Tudo o que importará será
Respirar liberdade


01-07-008

aa

Sonntag, 15. Juni 2008


Trazes a prenda
que inutiliza o frio
calculo inatingível
evitas a torrente
supérflua de voz
e em mim age
uma justa medida
subitamente ali
à mão

R. S.

Re/

Superficial corrente,
a voz que brinca
arrasta somente
quem à tona se mantém.

Profundas acalmias
a alma sapiente
procura o silêncio
continente da Verdade.

aa

Dienstag, 10. Juni 2008



BPM 37093

De carbono consistimos.
Dele vimos, a ele
havemos de voltar.

Nossas vidas:
comprimidas,
momento material
entre gás e poeira.

A Escolha:
combustão instantânea,
esvanecimento em fumo fugaz,
a todos visível,

ou

talha sensata,
lapidação paciente,
sacrifício das impurezas,
espalhando poeira adamantina,
culminando na escolha
do mais perfeito engaste.

O valor da jóia final
só entendidos apreenderão.

10-06-008
aa

Sonntag, 8. Juni 2008



Tu ne seras jamais heureux si tu continues à chercher en quoi consiste le bonheur. Et tu ne vivras jamais si tu recherches le sens de la vie.

Albert Camus

Samstag, 7. Juni 2008



Tu envias poesia alheia

caso raro:

não te falta

abunda no menor recesso
a intensidade

da vida própria

R. S.


Re/


Vã comparação
A dos Oceanos Perenes

Face aos charcos pós-pluviais
Que o mais fraco Sol
Evapora

aa

Mittwoch, 4. Juni 2008



botões de madrepérola

volto lá
dois anos depois
às ruas desertas sem ti
aos jardins vazios de ti
à música atonal

danço de braços vazios
nos braços de outro que não tu

não te procuro
nos túneis do metro
o olhar errante não repousa
na múltidão vácua de ti
no teu andar

de entre os odores anósmicos
da cidade não me atrai o teu

deslizo pelo tempo parado
protegida por paredes
de bolha
de sabão
aliviada

porque já te esqueci

03/06/008
Estrela Hall

aa

Dienstag, 3. Juni 2008



Só Se Possuem Eternamente os Amigos de Quem Nos Separamos

O amor de alguém é um presente tão inesperado e tão pouco merecido que devemos espantar-nos que não no-lo retirem mais cedo. Não estou inquieto por aqueles que ainda não conheces, ao encontro de quem vais e que porventura te esperam: aquele que eles vão conhecer será diferente daquele que eu julguei conhecer e creio amar. Não se possui ninguém (mesmo os que pecam não o conseguem) e, sendo a arte a única forma de posse verdadeira, o que importa é recriar um ser e não prendê-lo.


Gherardo, não te enganes sobre as minha lágrimas: vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los. Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe, enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela. Tal como as tuas vestes não são mais que o invólucro do teu corpo, assim tu também não és mais para mim do que o invólucro de um outro que extraí de ti e que te vai sobreviver. Gherardo, tu és agora mais belo que tu mesmo.


Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos.


Marguerite Yourcenar, in "Sistina"

Sonntag, 18. Mai 2008



Amizade


Discordamos em quase tudo

Esgrimimos todos os argumentos

Opondo-nos a qualquer entendimento fácil

Exigimos a mais crua franqueza

Expondo carne até ao osso

Sangrante da Verdade


Não embelezamos as fraquezas

Acusamos qualquer leviandade

Recusando as palavras ociosas

Clamamos contra pensamentos vãos

Denunciamos actos inconsequentes

Contrários à Rectidão


Crescemos em exigência

Alimentados pelo mútuo sangrar

Pedra a pedra arremessada

Construímos uma Fortaleza

De Amizade Radical.


aa

Freitag, 16. Mai 2008

http://formiguinhaatomica3.no.sapo.pt/DSCN1574_B.jpg

"para ser lido com crescente rapidez e decrescente certeza

amigo que pensas que eu não

saiba todo o mundo que amigos

como nós já não os há quem

os faça como nós já não há

necessidade de falar quase que

chega o arquear de uma sobrancelha

cerrada a porta do entendimento que

nós somos amigos até sermos areia

do mesmo deserto assim o jurámos

quando ainda havia necessidade de

falar contigo é o meu mais ardente

anseio fútil eu sei porque de palavras nós

não necessitamos para nos entender

e é tudo tão belo tão profundo

para quê perder tempo com o adquirido

entre nós o silêncio grávido que nunca

mais dá à luz AMIGO QUE PENSAS?"


aa

Dusseldorf, 10.01.1998

Dienstag, 13. Mai 2008

Não Há Dor Que Justifique a Fuga

A escuridão, as trevas desesperadas, é esse o círculo terrível da vida do dia-a-dia. Por que é que uma pessoa se levanta de manhã, come, bebe e se deita outra vez? A criança, o selvagem, o jovem saudável, o animal não padecem sob a rotina deste círculo de coisas e actividades indiferentes. Aquele a quem os pensamentos não atormentam, alegra-se com o levantar pela manhã e com o comer e o beber, acha que é o suficiente e não quer outra coisa.

Mas quem viu esta naturalidade perder-se, procura no decurso do dia, ansioso e desperto, os momentos da verdadeira vida cujas cintilações o tornam feliz e que apagam a sensação de que o tempo reúne em si todos os pensamentos relativos ao sentido e ao objectivo de tudo. Podem chamar a esses momentos, momentos criadores, porque parece que trazem a sensação de união com o criador, porque se sente tudo como desejado, mesmo que seja obra do acaso. É aquilo a que os místicos chamam união com Deus. Talvez seja a luz muito clara desses momentos que faz parecer tudo tão escuro, talvez a libertadora e maravilhosa leveza desses momentos faça sentir o resto da vida tão pesada, pegajosa e opressiva. Não sei, não aprofundei muito o pensamento e a tirada filosófica. Mas sei que se há bem-aventurança e um paraíso tem de ser uma duração incólume de tais momentos, e se se pode obter esta felicidade pela dor e pela sublimação na dor, não há nenhuma dor que justifique a fuga.

Hermann Hesse, in "Gertrud" (personagem Kuhn)

Dienstag, 22. April 2008



A mesma mão que me enterra a adaga até ao punho nas costas afaga-me o pêlo eriçado enquanto indagas carinhosamente pela razão da súbita palidez dos meus afectos exsanguinados.

aa


“Fiéis são as feridas d'um amigo; mas os beijos d'um inimigo são enganosos.”

Provérbios 27:6



Carlos Drummond de Andrade

Dienstag, 15. April 2008



Ligas-me às duas da manhã.

Interrompes o meu primeiro sono, de
saída de banco, cansada até
à náusea, como bem sabes,

tendo sido tu quem
me manteve
acordada até tarde
com crises existenciais.

Aos 45 anos ainda te indignas com
o egoísmo das pessoas.

Pois.

Que francamente ninguém pensa
senão em si.

Pois.

Que nem dormir consegues
perante tal epifania.

Pois.

Que não te parece que eu
alcance a gravidade da situação.

Pois não.

Que justamente de mim
esperarias mais apoio.

E eu, que aos 35 anos já não me
espanto com a cegueira das pessoas,
mando-te à merda,
adormecendo de novo
ainda a ligação não caíu.

aa, 12.04.008
Vértigo

Freitag, 11. April 2008


Certas palavras

Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciadas
em tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não divinha nem alcança.

Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, atos
do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos

É tudo proibido. Então, falamos.

Carlos Drummond de Andrade

Donnerstag, 10. April 2008



Júbilo

E depois dias há em que o júbilo

é indescritível no meu peito

batem cem corações felizes.

Todos os cuidados pelo esgoto abaixo

e tu arrastado com eles.

O mundo está de novo aí.

Nada mais a esperar

nada mais a temer

de ti.


Ulla Hahn (trad. J.Barrento)



Ich bin die Frau

Ich bin die Frau
die man wieder mal anrufen könnte
wenn das Fernsehen langweilt

Ich bin die Frau
die man wieder mal einladen könnte
wenn jemand abgesagt hat

Ich bin die Frau
die man lieber nicht fragt
nach einem Foto vom Kind

Ich bin die Frau
die keine Frau ist
fürs Leben.


Eu sou aquela mulher

Eu sou aquela mulher
a quem se poderia mais uma vez
ligar
quando a televisão aborrece

Eu sou aquela mulher
que se poderia mais uma vez
convidar
quando alguém cancelou

Eu sou aquela mulher
à qual é melhor não perguntar

por uma foto da criança

Eu sou aquela mulher
que não é mulher

para a vida.

Ulla Hahn (trad. por aa)

Mittwoch, 26. März 2008


Eternuridade


Nos idos

A alma plena de orgulho de te

Merecer consideração misturado com uma

Certa incredulidade perante tal

Honra imerecida

Elevada como tuas palavras.


Nos vindos

O lastro de certos olhares gestos

Actos rebaixantes misturado com uma

Abafada incredulidade perante tal

Traição inesperada

Afogada pela tua indiferença.


Emergindo

Renata da tentativa de te elevar do

Fundo lodoso misturada com uma

Triste incredulidade perante tal

Existência rastejante

Efemeramente amada.


aa, 26 Março 2008

Dienstag, 25. März 2008


Voz do Operário

Anita cantava enquanto desesperadamente eu tentava disfarçar

a tensão nos meus ombros,

que não traísse a saudade de sentir na minha pele

as tuas mãos.


Porque tem que ser

aa, 13 Maio 2007


Adamastor


Rap Crioulo nas minhas costas

as tuas mãos descobridoras

por mares há muito tempo

não navegados.

Resta saber a qual de nós dois

irá caber o papel de monstro.


aa, 03 Julho 2005









Amo a vida simplice das coisas.

Quanta paixão vi desfolhar-se, a pouco e pouco,

por cada coisa que passa.

Mas tu não me compreendes e sorris.

E julgas que estou doente.


Sergio Corazzini















A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomar cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda - imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus.

Raúl Brandão
in HÚMUS

Montag, 24. März 2008







"Now, no matter what the mullah teaches, there is only one sin, only one. And that is theft. Every other sin is a variation of theft. (...)

When you kill a man, you steal a life, you steal his wife's right to a husband, rob his children of a father.
When you tell a lie, you steal someone's right to the truth.
When you cheat, you steal the right to fairness. Do you see?"

Khaled Hosseini
in The Kite Runner

Samstag, 26. Januar 2008

A direcção do sangue


Quando se viaja sozinho
pelas imagens que perduram
as evocações ganham um modo tão real
A mancha ténue dos arbustos
indica o caminho para o regresso
que nunca há
o mar ficou de repente perto
sobre esta praia travámos lutas
para as quais só muito depois
encontramos um motivo
era à pedrada que nos defendíamos
do riso mais inocente
ou de um amor
Mas aquilo que nunca esquecemos
deixa de pertencer-nos e nem notamos
Estamos sós com a noite
para salvar um coração

José Tolentino de Mendonça

Freitag, 25. Januar 2008










A verdade que pertence aos gestos
Ao menor dos nossos gestos
Antes de chegarem palavras que nos socorram
Ás vezes é a verdade de um amor.

José Tolentino Mendonça

Epigrama para uma terceira despedida














Eu vi a eternidade nos teus dedos!

Eu vi a eternidade, e amedrontou-me
saber, tão de repente, tais segredos.
— Eu não mereci, sequer, saber-te o nome.

David Mourão-Ferreira

Uma floresta pintada por Ilda David

















De instante para instante
identificam-se lacunas, espaços irremediáveis
distâncias:
é apenas uma parte
a experiência que fazemos
do que seja o tempo

Nesse descoberto que separa
um instante de outro
estendes o teu próprio corpo
nenhuma outra maneira
guardou o perfume da neve
sobre os muros
como se não fosse.

José Tolentino Mendonça

Sonntag, 20. Januar 2008

Entre-mundos












Minha terra
é lugar entre destinos
o espaço que fica entre o
partir e o chegar.

Minha língua
é som entre as palavras
a ideia que fica entre o
pensar e o falar.

Minha alma
é desejo entre metas
no tempo que fica entre o
que foi e o que será.

aa

Samstag, 19. Januar 2008















Não se vive dentro da felicidade. A felicidade é um jardim que quase sempre atravessamos distraídos. Mais tarde ele vem-nos à memória e isso traz-nos um sorriso aos lábios. A lembrança de um jardim não é um jardim, mas cheira bem.
Faiza Hayat

Montag, 7. Januar 2008

Donnerstag, 3. Januar 2008

Inverno 2006

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A.A.
Sei que não te importas
Que cubra pouco a pouco
O espantalho do futuro
Com estes farrapos de voz
Feéricos e infantis
Opondo-se a recortes, mutilados
De teus falsos poemas.

Se subisse mais alto
Puxaria os cordéis
Num saudar de braço no ar
De títere.

Desaprovarias:
Perdia o chapéu amarrotado do avô
E esquecia no bolso uma obsessiva flor
Dessas que guardam o quente do verão
Ansiosas por vento.

R.S.