Freitag, 22. November 2013

Donnerstag, 21. November 2013











(Stille)

...repentinamente 
no nada silencioso da rotina 
um som 
uma insinuação compassada

dispara o nó sinusal
a respiração apneia-se
a audição salta do estribo
e olha em redor do deserto 
ávida por função 

e a alma há tanto dormente 
mexe-se debaixo dos lençois 
de resignação e desesperança

mas o medo cobre-lhe os ouvidos 
e o momento passa despercebido

aa














 



Duas vezes nada
 
É assim, amiga. Encontramo-nos
quando calha nos bares de antigamente,
deixando que sobre o tampo azul
das mesas volte a pousar
um baço cemitério de garrafas.

Constatamos o pior, os seus aspectos.
Corpos e livros que foram ficando
por ler na voracidade da noite de Lisboa.
De facto, crescemos em alcoolémia,
acordamos tarde, em pânico,
e perdemos os dias e os dentes
com uma espécie de resignação.
Não temos, ao que parece, serventia.

Sorrimos um pouco, ao terceiro
gin, como quem renasce para a morte,
seus gestos de ternura ou de exuberância.
Talvez tenhamos calculado mal
o ângulo da queda, esta vitória
sem nobreza dos venenos todos.

Mas agora é tarde. Tudo fechou
para nós, para sempre. O amor,
o desejo, até o onanismo da destruição.
Antes de procurares a esmola
do último táxi, fica esta imagem
parada, a desvanecer-se
no frio mais frio da memória:

não dois corpos sentados a trocarem
medo, cigarros e palavras póstumas,
mas duas vezes nada, ninguém,
o silêncio da noite destronando
as cadeiras onde por razão nenhuma
nos sentámos. Os anos, amiga, passaram.
 
 
Manuel de Freitas

Mittwoch, 20. November 2013



















e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão 
deixas viver sobre a pele uma criança de lume 
e na fria lava da noite ensinas ao corpo 
a paciência o amor o abandono das palavras 
o silêncio 
e a difícil arte da melancolia

Al Berto

Sonntag, 4. August 2013

Botero



















wer kennt schon
die not eines überaus dicken mädchens?

man sagt:
nun ja - doch sie hatte ein gutes herz

stets braucht die gesellschaft 
dicke mädchen mit guten herzen
in heimen spitälern kantinen
in fabriken geschäften büros

doch manchmal
möchten auch ihre herzen
verrückt und geliebt
statt immer nur gut sein

dann träumen sie liebe
in wetterleuchtenden farben
liebkosen den einsamen körper
abends traurig im bett
mit einfühlsamen händen
des zärtlich erdachten freunds

später verschließen sie
solche träume tief in ihrer enttäuschung
und versuchen so tapfer als möglich
gut und gütig zu bleiben
statt böse und bitter zu werden

doch wer kennt schon
die heimlichen kämpfe
der überaus dicken mädchen
die man zur rolle bestimmt hat
gut und selbstlos zu sein?

ach wäre ein gott
ach wäre ein gott
der fleisch wird im fleisch 
eines überaus dicken mädchens

Kurt Marti



quem é que conhece
a angústia de uma rapariga extremamente gorda?

diz-se:
pois então – mas ela tinha um bom coração

constantemente a sociedade precisa de 
raparigas gordas de bom coração
em lares hospitais cantinas
em fábricas lojas escritórios

mas por vezes
também os seus corações querem ser
loucos e amados
em vez de serem sempre apenas bons

então sonham amor
em cores luminosas
acariciam o corpo solitário
pela noite tristes na cama
com as mãos sensíveis
do namorado carinhosamente imaginado

mais tarde trancam
esses sonhos profundamente na sua desilusão
e tentam com toda a valentia possível
manterem-se boas e bondosas
em vez de más e amarguradas

mas quem é que conhece
as ocultas lutas
das raparigas extremamente gordas
escolhidas para o papel de
serem boas e altruístas?

ai fosse um deus
ai fosse um deus
que se tornasse carne na carne
de uma rapariga extremamente gorda

(trad.: aa)

Dienstag, 16. Juli 2013



 A day and a day
Dois ou três cancros de que
vais sabendo «há pouco a fazer»),
o amigo maior de um amigo
brutalmente esmagado debaixo
de um camião. Não, não está a ser
propriamente um Inverno de contentamento.

O corpo já quase não responde
a tanta tristeza. E a casa, devagar,
fecha-se para dentro, implode. Parece
um coração, uma metáfora que te deixa
nos ombros um irrepetível cheiro a merda
e a sombra de um gato que vai morrer.

(«É a vida», deve pensar sem cérebro
- mais feliz - o teu companheiro
de jantar. Já lhe chamaste silêncio,
mas ninguém se chama assim,
ferindo o preto e branco da memória.
Assoa-se, pelo contrário, ao guardanapo
sujo de tinto da casa e acena-te com caspa
da sua vaga imortalidade. Na outra mesa, do
corpos sussurram o inevitável calão do amor,
Muita gente, afinal, cabe neste mundo.

Da porta do bar saem depois alguns
engates e avós calcinadas
à terceira caipirinha. Um preto de óculos
que bebeu de mais acaba espancado
no passeio, sob o fervor policial do costume.

Custa ver - a vida, outro bar vazio,
sem quadros, onde beijas a ausência,
tudo o que perdidamente desamas
e não vale a pena e se dissipa sem pressa
no copo de cicuta cuja razão desconheces.)

É possível que Joachim Bernhard Hagen
tenha sido um exímio tocador do instrumento
que às vezes preferes. É um modo de acordar,
no fundo, e de perceber na pele a inutilidade
da manhã, os gestos que não serão ainda
esse amplo terreno de morte
                                               - que depois
circunscreves a um poema
e não voltas a dormir. Odeio-te.



Manuel de Freitas
[SIC]
poesia inédita portuguesa
Assírio & Alvim

Mittwoch, 29. Mai 2013





















CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.


Carlos Drummond de Andrade 

in Sentimento do Mundo


Amar é admirar com o coração. 
Admirar é amar com o cérebro.


Théophile Gautier

Sonntag, 28. April 2013

Night windows, Edward Hopper

















Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas húmidas e chãs
com que em casa se cozinham perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in A CASA E O CHEIRO DOS LIVROS (Quetzal, 1996), in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

Montag, 18. Februar 2013

Sonntag, 17. Februar 2013

Admonitions To A Special Person


Admonitions To A Special Person


Watch out for power,
for its avalanche can bury you,
snow, snow, snow, smothering your mountain.

Watch out for hate,
it can open its mouth and you'll fling yourself out
to eat off your leg, an instant leper.

Watch out for friends,
because when you betray them,
as you will,
they will bury their heads in the toilet
and flush themselves away.

Watch out for intellect,
because it knows so much it knows nothing
and leaves you hanging upside down,
mouthing knowledge as your heart
falls out of your mouth.

Watch out for games, the actor's part,
the speech planned, known, given,
for they will give you away
and you will stand like a naked little boy,
pissing on your own child-bed.

Watch out for love
(unless it is true,
and every part of you says yes including the toes) ,
it will wrap you up like a mummy,
and your scream won't be heard
and none of your running will end.

Love? Be it man. Be it woman.
It must be a wave you want to glide in on,
give your body to it, give your laugh to it,
give, when the gravelly sand takes you,
your tears to the land. To love another is something
like prayer and can't be planned, you just fall
into its arms because your belief undoes your disbelief.

Special person,
if I were you I'd pay no attention
to admonitions from me,
made somewhat out of your words
and somewhat out of mine.
A collaboration.
I do not believe a word I have said,
except some, except I think of you like a young tree
with pasted-on leaves and know you'll root
and the real green thing will come.

Let go. Let go.
Oh special person,
possible leaves,
this typewriter likes you on the way to them,
but wants to break crystal glasses
in celebration,
for you,
when the dark crust is thrown off
and you float all around
like a happened balloon.