Montag, 2. November 2009


1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte

coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

5.
Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.

6.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?

Eugénio de Andrade


Donnerstag, 15. Oktober 2009



Se eu quisesse, enlouquecia.
Sei uma quantidade de histórias terríveis.

Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio...

Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso.

Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver?

A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caindo sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo...

Tem de se arrumar muito depressa.

Há felizmente o estilo.

Não calcula o que seja?

Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação.

Faço-me entender?

Não?

Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida.

HERBERTO HELDER
Os Passos em Volta

(Assírio & Alvim, 1997)

Donnerstag, 8. Oktober 2009



e o que me apoquenta nem é
a dúvida do ser ou não ser
nem do porquê temporal ou do
como
não quero saber do que os outros
pensam não me importam os olhares
conspiradores que lançam através
dos seus telhados de vidro não
há palavras que me magoem não é
isso
de que tenho medo é da
decisão da palavra dita ou não
dita do acto executado ou só
pensado da realidade que toma
formas sem ter substância do
que não sei e nem imagino
e fujo
dos teus olhares perplexos de quem
não entende as ambiguidades

aa

Freitag, 2. Oktober 2009



Mãe, eu quero ir-me embora.
A vida não é nada daquilo que disseste quando os meus seios começaram a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande, murcharam tão depressa as rosas que me deram. Se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora.
Os meus sonhos estão cheios de pedras e de terra e, quando fecho os olhos, só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos os sonhos que tiveste para mim. Tenho a casa vazia, deitei-me com mais homens do que aqueles que amei e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora.
Nenhum sorriso abre caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca. Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez não chames pelo meu nome, não me peças que fique. As lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora.
Esperei a vida inteira por quem nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem. Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas essa voz, tu sabes, não é a tua.

A última canção sobre o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.

Maria do Rosário Pedreira
In "O Canto do Vento nos Ciprestes"

Freitag, 5. Juni 2009

Sonntag, 24. Mai 2009

Dienstag, 19. Mai 2009



...quando os Deuses criaram o Mundo dos Homens, fizeram-no à Sua imagem, perfeito, imutável e imaculado. Perplexos assistiram ao definhar em massa da humanidade, em letargia anódina. Perceberam então, na Sua infinita sabedoria, que os Homens morriam por falta de sonhos. Voltaram então a criar o Mundo à imagem dos Homens, com falhas, inconstante e injusto. E os Homens sonharam com a Felicidade.

Montag, 18. Mai 2009



Gaiola de Vidro


Como paredes
através das quais
o mundo vemos pelo ser dos outros
quem vamos conhecendo nos rodeia
multiplicando as faces da gaiola
de que se tece em volta a nossa vida.

No espaço dentro (mas que não depende
do número de faces ou distância entre elas)
nós somos quem somos: só distintos
de cada um dos outros, para quem
apenas somos a face em muitas,
pelo que em nós se torna, além do espaço,
uma visão de espelhos transparentes.

Mas o que nos distingue não existe

Jorge de Sena

Freitag, 24. April 2009



I gave you a child, and you didnt want it

Thats the most that I have to give.
I gave you a house, and you didnt want it
Now where am I supposed to live.
I gave you a tree and you did not embrace it
I gave you a nightmare and you didnt chase it
I'd give you a dream and you'd only wake from it
Now I'll never go to sleep again.
I'd give you a treasure and you'd only take from it
Look at the hole where jewlery had been
Baby oh baby
Why must you espcape from it
This love that we once called our friend.

I gave you my body and you ate aplenty
I gave you ten lives and you wasted twenty.
Now I'm standing empty, helpless and bare, without a morsel left of me to give
And you, you have vanished, into the air
The air in which I must live

Bonnie Prince Billy

Samstag, 11. April 2009

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Nunca fui como todos

Nunca tive muitos amigos

Nunca fui favorita

Nunca fui o que meus pais queriam

Nunca tive alguém que amasse

Mas tive somente a mim

A minha absoluta verdade

Meu verdadeiro pensamento

O meu conforto nas horas de sofrimento

não vivo sozinha porque gosto

e sim porque aprendi a ser só...

Florbela Espanca
http://www.anossaancora.org/pagina/images/dia_pai_2003.jpg

O Pai


Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.

Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.

Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.

Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.

Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.

Escutarei de noite as tuas palavras:
... menino, meu menino...

E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"
Tradução de Rui Lage

Freitag, 10. April 2009



Parece-me que a humanidade precisa de finalmente amadurecer.

Uma criança atribui poderes divinos aos seus pais, não conhece reponsabilidade, nem dever. Mas à medida que cresce, reconhece em si os poderes dos pais. Revoltando-se inicialmente contra essa realidade, acusa os pais de impostores, recusa esses poderes, apesar de os usar, quando lhe convém, sem responsabilidade e sem dever. Com o progressivo amadurecimento, reconhece que o erro de percepção foi seu, devido à sua inexperiência, e aceita a adultícia, com os deveres e responsabilidades inerentes.

Falta darmos o último passo, como Homens e Mulheres: aceitar o nosso poder como espécie, aceitar o Bem e o Mal de que dele advém e aceitar que a transcendência está em nós.

O difícil é o abandonar da esperança, de que há-de vir alguém e salvar-nos.

aa



“There is a vitality, a life force, a quickening that is translated through you into action, and there is only one of you in all time, this expression is unique, and if you block it, it will never exist through any other medium; and be lost. The world will not have it. It is not your business to determine how good it is, not how it compares with other expression. It is your business to keep it yours clearly and directly, to keep the channel open. You do not even have to believe in yourself or your work. You have to keep open and aware directly to the urges that motivate you. Keep the channel open. No artist is pleased. There is no satisfaction whatever at any time. There is only a queer, divine dissatisfaction, a blessed unrest that keeps us marching and makes us more alive than the others.”
Martha Graham

Sonntag, 8. Februar 2009



Quem morre?

Morre lentamente
quem se transforma
em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca.
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou quem não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente

quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o preto no branco
e os pingos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,

sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,

fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente
quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio,

quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.
Morre lentamente,
quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece

ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior
que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos
um estágio esplêndido de felicidade.


Gabriel Garcia Marquez

Samstag, 7. Februar 2009

Pledge



To love. To be loved. To never forget your own insignificance. To never get used to the unspeakable violence and the vulgar disparity of life around you. To seek joy in the saddest places. To pursue beauty to its lair. To never simplify what is complicated or complicate what is simple. To respect strength, never power. Above all, to watch. To try and understand. To never look away. And never, never, to forget.


ARUNDHATI ROY


"Our truest responsibility to the irrationality of the world is to paint or sing or write, for only in such response do we find the truth."

Madeleine L'Engle

Freitag, 6. Februar 2009



Em teoria, se no decurso da evolução, os seres vivos saíram do mar para conquistar a terra, aquelas espécies que, depois desse passo dado, continuaram a evoluir no sentido de retornar ao mar, encontrar-se-iam num estado evolutivo mais avançado.

Teríamos que olhar então de maneira diferente para os golfinhos ou as baleias, que percorreram esse caminho, e cujos trinares e cantos estudamos com afinco, atribuindo-lhes alguma capacidade comunicativa. Mas não será, de facto, possível, que o nosso estadio evolutivo seja inferior ao deles e que comuniquem com eficácia infinitamente maior?

A comunicação perfeita seria aquela em que a linguagem, por desnecessária, seria abolida, em que haveria uma partilha completa e constante de ideias - uma espécie de mente colectiva.


"O verdadeiro e o falso são atributos da linguagem, não das coisas.
E onde não há linguagem, não há verdade nem falsidade."

Thomas Hobbes in Leviatã

Mittwoch, 4. Februar 2009

A Maldade Espiritualiza-se



O julgamento e a condenação morais são a vingança predilecta dos espíritos tacanhos para com os que são menos, além de uma espécie de indemnização por terem sido mal dotados pela natureza, e finalmente uma oportunidade de eles próprios obterem espírito e tornarem-se finos: - a maldade espiritualiza-se. Bem no fundo do coração agrada-lhes que exista um padrão que ponha ao seu nível os abundantemente dotados de bens e privilégios de espírito: - lutam pela «igualdade de todos perante Deus» e para isso é que quase precisam da fé em Deus.

Friedrich Nietzsche, in 'Para Além de Bem e Mal'