Freitag, 16. Mai 2008

http://formiguinhaatomica3.no.sapo.pt/DSCN1574_B.jpg

"para ser lido com crescente rapidez e decrescente certeza

amigo que pensas que eu não

saiba todo o mundo que amigos

como nós já não os há quem

os faça como nós já não há

necessidade de falar quase que

chega o arquear de uma sobrancelha

cerrada a porta do entendimento que

nós somos amigos até sermos areia

do mesmo deserto assim o jurámos

quando ainda havia necessidade de

falar contigo é o meu mais ardente

anseio fútil eu sei porque de palavras nós

não necessitamos para nos entender

e é tudo tão belo tão profundo

para quê perder tempo com o adquirido

entre nós o silêncio grávido que nunca

mais dá à luz AMIGO QUE PENSAS?"


aa

Dusseldorf, 10.01.1998

Dienstag, 13. Mai 2008

Não Há Dor Que Justifique a Fuga

A escuridão, as trevas desesperadas, é esse o círculo terrível da vida do dia-a-dia. Por que é que uma pessoa se levanta de manhã, come, bebe e se deita outra vez? A criança, o selvagem, o jovem saudável, o animal não padecem sob a rotina deste círculo de coisas e actividades indiferentes. Aquele a quem os pensamentos não atormentam, alegra-se com o levantar pela manhã e com o comer e o beber, acha que é o suficiente e não quer outra coisa.

Mas quem viu esta naturalidade perder-se, procura no decurso do dia, ansioso e desperto, os momentos da verdadeira vida cujas cintilações o tornam feliz e que apagam a sensação de que o tempo reúne em si todos os pensamentos relativos ao sentido e ao objectivo de tudo. Podem chamar a esses momentos, momentos criadores, porque parece que trazem a sensação de união com o criador, porque se sente tudo como desejado, mesmo que seja obra do acaso. É aquilo a que os místicos chamam união com Deus. Talvez seja a luz muito clara desses momentos que faz parecer tudo tão escuro, talvez a libertadora e maravilhosa leveza desses momentos faça sentir o resto da vida tão pesada, pegajosa e opressiva. Não sei, não aprofundei muito o pensamento e a tirada filosófica. Mas sei que se há bem-aventurança e um paraíso tem de ser uma duração incólume de tais momentos, e se se pode obter esta felicidade pela dor e pela sublimação na dor, não há nenhuma dor que justifique a fuga.

Hermann Hesse, in "Gertrud" (personagem Kuhn)