Dienstag, 14. Dezember 2010

















Tentas de longe

Tentas, de longe, dizer que estás aqui.
Com peso triste caminha na rua o Outono.
O meu coração debruça-se à janela
a ver pessoas e carros, e as folhas caíndo.

Mastigo esta solidão
como quando era pequeno e jantava
diante dos pais zangados:
devagar, ausente.



Fernando Assis Pacheco, in "A musa irregular"

Ed. Asa, 1997

Freitag, 5. November 2010












Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.
Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Sonntag, 31. Oktober 2010



















São horas de voltar. Tu já não vens, e a espera
gastou a luz de mais um dia. Agora, quem passar
trará um corpo incerto dentro do nevoeiro,
mas terá outro nome e outro perfume. Eu volto

à casa onde contigo se demorou o verão e arrumo
os livros, escondo as cartas, viro os retratos
para a mesa. Sei que o tempo se magoou de nós,
sei que não voltas, e ouço dizer que as aves
partem sempre assim, subitamente. Outras virão

Maria do Rosário Pedreira

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa


que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me


a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira

Montag, 11. Oktober 2010



















Procura a sua voz há anos muda em sinal

de protesto pelas vidas que lhe fogem
entre os dedos correntes vácuas tumultuosas
em leito superficial saltitam de seixo em seixo
perdendo-se em gotas que na margem morrem


Procura a voz profunda guia de viagens de outrora
infinitas de mente e coração e corpo
mergulhantes em abismos aterradores enfrentando
monstros uivantes até só restar o silêncio


Procura a voz que apenas no silêncio fala


aa

Sonntag, 3. Oktober 2010

Cordolium



o homem sem coração mastiga sem cessar
página após página dos seus milhares de tomos

misturadas com rúbeo vinho entranha trago atrás de trago
em busca da transubstanciação

pressente o vácuo mediastino o ausente pulsar
em vão expõe a carne buscando o jorrar quente e humano

por vezes parece vislumbrar um bater que já foi seu
por becos e vielas persegue metânicos fogos-fátuos

mas espantado pela aurora volta aos seus incunábulos
folha a folha gole a gole busca a plenitude o sentir


aa

Lhasa de Sela



O texto mais calado

É mais fácil escrever sem as mãos. Todas as pessoas do mundo são escritoras, sobretudo aquelas pessoas que nunca leram Rilke, nem choraram naquela página de Proust que é um manto de palavras sobre as madalenas e as lajes do tempo. Escrever sem as mãos acontece-me quando sei que sou mais, porque sinto que posso ser. A carne frágil das minhas mãos, cheia de febre, é só uma morte espantosa, o que sobra do tempo do mundo que admira o texto mais calado. Olho as fotografias dos meus avós e nelas vejo apenas o silêncio que foi retratado, uma luz que surpreende os meus olhos como se esta decorresse sempre do princípio da noite. Não há um único texto nestes retratos. A minha avó, feita de flor inteira, morreu dentro do meu corpo feito de estilhaços de pétalas e bátegas de vidro; o meu corpo é um buril que desenrola a melancolia. Talvez não importe mais nada a não ser isto. Uma noite longa que me venha consolar de vez em quando com as suas mãos de tecedeira, que me recolha dentro do berço futuro do meu passado, que me faça desaparecer das minhas mãos para as suas.

Sandra Costa

Abriu no colchão as valas possíveis
e enterrou por ordem alfabética
cada parte do corpo: os pêlos
os pântanos as unhas encravadas
e as unhas que outros cravaram pelas coxas.
Estudou cuidadosamente as ondas as horas
para que não restassem dúvidas
sobre os caminhos marítimos
para a noite. Por fim
podou todas as janelas do quarto;
bebeu o vinho;
roeu a carne do quarto
até não sobrar nenhum coração.

catarina nunes de almeida

(arte: Roxanne Jackson: eat your heart out)

Mittwoch, 11. August 2010


E não queiras depois fazer amor.
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe
fala assim devagar
devagar
devagar


Ana Goês
In 366 poemas que falam de amor
Antologia organizada por
Vasco Graça Moura


Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras distantes...
- palavras que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo
até não se sabe quando...
- e um dia me acabarei.

Cecília Meireles

Mittwoch, 4. August 2010



Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.


Maria do Rosário Pedreira

Mittwoch, 7. Juli 2010

Eternidade



Vens a mim
pequeno como um deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.

Nasceste agora mesmo. Vem comigo.


Jorge de Sena, in 'Perseguição'

Dienstag, 29. Juni 2010

Sê paciente; espera



Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade

Freitag, 18. Juni 2010



Wartende


Sie sitz an einem Tisch für zwei Personen
allein mit diesem wachen starren Blick
schaut sie umher als hätte sie was verloren
und hält sich fest an einem Buch: Ihr Strick


der sie herauszieht aus den Augenpaaren
die nach ihr züngeln mitleidlos und spitz
wie Wellen über ihr zusammenschlagen
sie niederdrücken auf den Plastiksitz


der unter ihren Schenkeln klebt. Sie schwenkt
ihr Glas das Eis schmilzt klirrend schneller
sie selbst wird immer kleiner und versänk


gern als Erfindung in ihr Buch
das sie nun zuschlägt. Eh sie auftaucht
zahlt und geht. Es ist genug.


Ulla Hahn

Mittwoch, 27. Januar 2010

Freitag, 22. Januar 2010



Palace Brothers

You will miss me when I burn

When you have no one
No one can hurt you
When you have no one
No one can hurt you

In the corner there is light
That is good for you
And behind you, I have warned you
There are awful things

Will you miss me when I burn
And will you eye me with a longing?
It is longing that I feel
To be missed or to be real

When you have no one
No one can hurt you
When you have no one
No one can hurt you

Will you miss me when I burn
And will you close the others' eyes
It would be such a favor
If you would blind them

There is absence, there is lack
There are wolves here abound
You will miss me
When I turn around

When you have no one
No one can hurt you
When you have no one
No one can hurt you

Mittwoch, 20. Januar 2010



MELODIA

Este é o orvalho dos teus olhos.
Esta é a rosa dos teus vales.
O silêncio dos olhos está no silêncio das rosas.
Tu estás no meio,
entre a dor e o espanto da treva.
Arrancas-te ao mundo e és a perfumada
distância do mundo.
Chego sem saber, à beira dos séculos.
Despenho-me nos teus lagos quando para ti
canta o cisne mais triste.
O pólen esvoaça no meu peito, junto às tuas
nuvens.
Esta é a canção do teu amor.
Esta é a voz onde vive a tua canção.
As tuas lágrimas passam pela minha terra
a caminho do mar.

José Agostinho Baptista
in
Paixão e Cinzas
Assírio & Alvim, 1992