Sonntag, 3. Oktober 2010



O texto mais calado

É mais fácil escrever sem as mãos. Todas as pessoas do mundo são escritoras, sobretudo aquelas pessoas que nunca leram Rilke, nem choraram naquela página de Proust que é um manto de palavras sobre as madalenas e as lajes do tempo. Escrever sem as mãos acontece-me quando sei que sou mais, porque sinto que posso ser. A carne frágil das minhas mãos, cheia de febre, é só uma morte espantosa, o que sobra do tempo do mundo que admira o texto mais calado. Olho as fotografias dos meus avós e nelas vejo apenas o silêncio que foi retratado, uma luz que surpreende os meus olhos como se esta decorresse sempre do princípio da noite. Não há um único texto nestes retratos. A minha avó, feita de flor inteira, morreu dentro do meu corpo feito de estilhaços de pétalas e bátegas de vidro; o meu corpo é um buril que desenrola a melancolia. Talvez não importe mais nada a não ser isto. Uma noite longa que me venha consolar de vez em quando com as suas mãos de tecedeira, que me recolha dentro do berço futuro do meu passado, que me faça desaparecer das minhas mãos para as suas.

Sandra Costa

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