Freitag, 2. Oktober 2009



Mãe, eu quero ir-me embora.
A vida não é nada daquilo que disseste quando os meus seios começaram a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande, murcharam tão depressa as rosas que me deram. Se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora.
Os meus sonhos estão cheios de pedras e de terra e, quando fecho os olhos, só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos os sonhos que tiveste para mim. Tenho a casa vazia, deitei-me com mais homens do que aqueles que amei e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora.
Nenhum sorriso abre caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca. Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez não chames pelo meu nome, não me peças que fique. As lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora.
Esperei a vida inteira por quem nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem. Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas essa voz, tu sabes, não é a tua.

A última canção sobre o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.

Maria do Rosário Pedreira
In "O Canto do Vento nos Ciprestes"